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ARTIGO PRODUZIDO PARA O INSTITUTO ETHOS
ARTIGO PRODUZIDO PARA O INSTITUTO ETHOS

INSTITUTO ETHOS

 

SEMINÁRIO AÇÕES AFIRMATIVAS PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL

 

ABERTURA – BENJAMIN GONÇALVES – EDITOR DE PUBLICAÇÕES DO INSTITUTO ETHOS

 

         Iniciados os trabalhos, com Benjamin Gonçalves, editor de publicações do Instituto Ethos, fora dada a palavra ao Sr. Hélio Silva, coordenador do curso de Administração do SENAC, que enalteceu a parceria do Ethos com o SENAC e a vocação das duas entidades para a promoção da responsabilidade social. A seguir, foram chamados a compor a mesa de trabalhos os Senhores e Senhora:

 

MARIA APARECIDA SILVA BENTO  - Diretora executiva do CEERT

HÉLIO SANTOS – Diretor do IBD

JORGE ABRAÃO – Diretor do Ethos

JOSÉ VICENTE – Reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares

 

MARIA APARECIDA SILVA BENTO: 

Destacou a importância do debate do tema da igualdade racial no Brasil. Nesta perspectiva, a área em que tivemos menor avanço foi no território empresarial e no mercado de trabalho em geral. Em recente conversa com a Ministra Matilde Ribeiro, esta salientava à palestrante sua decepção neste campo, ao deixar a “SEPPIR” (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial), daí a importância da iniciativa do ETHOS para sensibilização das empresas nesta temática.

No entanto, salientou que não podemos deixar de registrar os avanços nas últimas décadas, principalmente na questão do incremento na renda mensal da população negra. Cita uma análise de um jornalista a respeito do percentual de brancos e negros na classe média, fruto de um estudo do Instituto Laeser, do Rio de Janeiro. Registrou que pertence à classe média quem posssui renda entre R$ 290,00 a R$ 1.000,00 per capita, sendo que nesta faixa de renda estão representados brancos e negros nos percentuais de 50% e 47%, respectivamente. No entanto, anotado o caráter controverso da classificação, no tocante à faixa de renda, o rendimento mensal dos negros na classe média é inferior ao dos brancos.

Importante, outrossim, discutir as ações afirmativas no campo educacional, daí a importância da atenção das empresas para os futuros egressos das universidades para ingresso no mercado de trabalho.  Afirma que é necessária a preparação das empresas, uma vez que a ascensão da população negra à classe média causará – como já vem causando - um impacto enorme no consumo.

Devido à sua atuação como psicóloga organizacional, a palestrante reconhece que vem avançando a inserção dos negros no mercado de trabalho, mas há severas deficiências a serem corrigidas. Exemplifica: sua sobrinha, pessoa altamente qualificada, sentiu receio em trançar o cabelo, por conta de um processo seletivo, com vista à ocupação de um alto cargo num banco. Devido ao seu conhecimento pessoal acerca da postura do banco que promovia o processo seletivo, acabou por encorajar sua sobrinha a trançar o cabelo. Assim, há entraves de ordem discriminatória nas empresas, especificamente na área de Recursos Humanos, que impedem a população negra de ascender a determinados cargos. Afirma que há no Brasil, mais precisamente nas mídias televisivas, verdadeiros “reprodutores de esteriótipos”. Cita o exemplo da personagem “Adelaide” do programa televisivo “Zorra Total” em que é francamente depreciada a imagem da mulher negra. Afirma que é preciso um trabalho maciço de combate a tais “reprodutores de esteriótipos”.

Afirma que tem perpetrado forte atuação junto às empresas para sensibilização destas relativamente à questão racial no Brasil. Afirma que, a despeito da sólida formação que os negros vêm conseguindo nos últimos anos, a discriminação e o preconceito, enraizados no seio da sociedade brasileira e, mais precisamente, na estrutura das empresas, não recuaram – ao contrário. O preconceito e a discriminação persistem mesmo quando a pessoa negra obtém uma formação de alto nível.

Afirma que, em sua militância nos movimentos negros, sempre foi contra a institucionalização de cotas raciais. No entanto, acredita que, no caso dos deficientes físicos, que foram contemplados com políticas públicas governamentais de ações afirmativas, com imposição legal de reserva de vagas (cotas) nas empresas, houve uma mobilização importante destas no sentido de proporcionar a inclusão destas pessoas no mercado de trabalho, o que não acontece no campo da questão racial, o que conduz à ilação de que, num primeiro momento, a imposição legal se faz imperiosa para reversão do quadro que hoje se delineia na sociedade brasileira.

Ressaltou, ainda, o papel do Instituto Ethos na divulgação e sensibilização das empresas para a questão da igualdade racial. Afirmou que é preciso aprofundar as ações do Instituto Ethos e que é preciso estabelecer metas de preenchimento de cargos de chefia por negros nas empresas. Tais metas devem ser bem estabelecidas e proporcionar  acompanhamento público dos indicadores de ocupação de cargos de chefia em todas as empresas.

Por fim, citou um exemplo paradigmático: um gestor público na Caixa Econômica Federal poderia acompanhar o acesso de negros e mulheres a determinados cargos de chefia, em qualquer lugar do Brasil.

 

PROF. HÉLIO SANTOS – IBD :

Afirmou que a contemporaneidade do tema é o que lhe produz motivação. O Brasil teve a escravidão mais longa do mundo. As ações afirmativas quando têm viés racial, causam um grande impacto. Houve um avanço no campo educacional, nas universidades, mas não adianta a existência de ações afirmativas se não houver um aproveitamento póstumo dos egressos.

Denuncia a existência de estruturas sociais que chama de “estruturas cardúmicas”, que nada mais seriam do que a agregação social de grupos semelhantes quer seja ideológica, fenotípica, ou culturalmente. Afirma que a diversidade pressupõe igualdade de oportunidades. As ações afirmativas proporcionam um país com outro tipo de igualdade. No Brasil temos que ir além. Falou que é preciso reforçar na sociedade brasileira, e principalmente na iniciativa privada, a noção de “sustentabilidade moral”. Não basta para as empresas fazer o melhor. É preciso fazer o melhor da melhor maneira possível. Não podemos desperdiçar talentos. No Brasil, são desperdiçados muitos talentos por conta de preconceitos enraizados na sociedade. A “sustentabilidade moral” é a possibilidade de superação destas desigualdades. O Brasil é a sexta potência econômica mundial. O único com maioria negra. Um país que pretende desenvolver-se não pode voltar as costas à questão racial, cuja superação é ponto fulcral e determinante do desenvolvimento que pretendemos.   

O Brasil tem o Fundo Baobá de Diversidade Racial, que encomendou uma pesquisa para o Data Popular.  A pesquisa mostra que a população se move com maior inserção para o mercado formal e para o incremento na sua formação. São 45 milhões de pessoas na classe “C”, a maioria jovens. A população com ensino superior é de 8%. No entanto, apesar do notório avanço, permanece a desigualdade material, que na sociedade brasileira não só se externaliza na questão da estratificação social, mas assume – também – um viés racial.  Esta população, pertencente à chamada classe “C”, movimenta um volume de $350 milhões de dólares, por ano. Nesta última década a maior parcela da população negra está presente na classe “C”, o que denota o papel estratégico do direcionamento de campanhas publicitárias para a conquista desta parcela do mercado.

As empresas querem vender para este grupo, mas em suas campanhas publicitárias reproduzem estereótipos com um enfoque indevido à população negra; por vezes preconceituosos, quando não discriminatórios. Afirma que as empresas não procuram inserir de forma adequada esta população nos seus quadros.

Destarte, o palestrante aponta dois vetores estratégicos para as empresas: inclusão da população negra em seus quadros e orientação para o consumo direcionado a esta importante parcela da população.

Assim, o nosso país deve caminhar para uma consolidação e desenvolvimento holístico. Um país mais avançado e mais justo deve ter um desenvolvimento integral. O desenvolvimento brasileiro perpassa pela atenção à questão racial. Afirma que é estratégico para as empresas voltarem-se para a questão da diversidade racial, posto que o Brasil é um país em que mais da metade da população é negra, consumidora, portanto.

Finaliza salientando que os dois vetores estratégicos outrora apontados têm cada qual um caráter: moral e econômico. Se quisermos ter um sólido desenvolvimento não podemos desprezar a questão racial e, especificamente, no campo empresarial, as empresas devem assumir esta questão para superá-la, sob pena de, inexoravelmente, sofrerem um impacto negativo em seus próprios resultados.

 

REITOR JOSÉ VICENTE – FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES:

 

Iniciou informando que o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, não pôde fazer-se presente ao Seminário, por conta dos preparativos da posse do Ministro Joaquim Barbosa como presidente do STF.

Iniciou sua exposição salientando que seu antecessor, Hélio Santos, dizia a respeito da dicotomia entre a realidade brasileira e a nova classe média negra, que tem acesso ao consumo, mas não tem acesso aos direitos.

Substituímos um estamento escravocrata, mas não construímos estruturas para inclusão dos ex-escravos no desenvolvimento nacional e nos valores republicanos. Ressaltou a questão histórica da escravidão e a situação em que foram lançados os negros posteriormente.

Nesta perspectiva, afirma que quando o Estado brasileiro, na história recente, teve a iniciativa de empreender uma ação efetiva no tocante à questão racial, conseguimos trazer 40 milhões de pessoas para a classe média, das quais 55% são negros. Isto mostra que se houver vontade, é possível modificar a situação da população negra no Brasil.

Afirmou que é premente a necessidade dos gestores não perderem o foco nesta questão. As mudanças que aconteceram no plano das ações afirmativas foram anteriores à positivação destas ações no ordenamento jurídico de forma impositiva, como foi o caso das cotas raciais no ensino superior, que só foi positivada no ordenamento jurídico após 12 anos da implantação de programas em universidades como a Universidade de Brasília, cujo programa só veio à tona para discussão por conta de uma irresignação manifestada em forma de ação judicial que teve trâmite perante o STF.

As empresas devem se preocupar com a iminente construção de marcos legais voltados à temática racial e implantação de ações afirmativas. A tendência hodierna é no sentido de franquear o acesso a  investimento público somente às empresas que garantirem uma contrapartida em ações de responsabilidade social. Portanto, a questão aqui debatida é de cunho estratégico para as empresas.

Uma outra questão é a posição dos poderes da República, dentre eles o Judiciário, no tocante a intervenções na relação entre empresas e sociedade. No caso dos bancos, o Ministério Público do Trabalho interveio, há 10 anos, para garantir o acesso de negros às suas carreiras. Portanto, é nítida a tendência à intervenção judicial, inclusive nas empresas, para consecução do objetivo de superar as desigualdades raciais ainda existentes no Brasil.

O acesso ao financiamento público de empresas perpassará obrigatoriamente pela adoção de ações afirmativas para valorização da diversidade racial, como contraprestação pelos aportes financeiros recebidos do Estado.  

Afirma que, embora pouco se tenha feito, os bancos Bradesco e Itaú têm uma forte experiência na área de promoção da igualdade racial. Afirma que isto é uma questão estratégica para as empresas e que pode reverter em lucros para aquelas que cumprirem medidas de inclusão racial.

Políticas afirmativas, de cunho racial, são importantes do ponto de vista econômico. Devem ser praticadas não só para os negros mas para não-negros hipossuficientes também. Deve estar na perspectiva do que queremos deixar de legado para as próximas gerações a superação da desigualdade material. É uma dívida histórica do país que deve ser resgatada.

 

 

JORGE ABRAHÃO – INSTITUTO ETHOS:

 

Iniciou fazendo um balanço das ações do Ethos na sociedade brasileira. Afirmou que cada vez mais o Ethos vem tentando desenvolver nos gestores a consciência dos grandes desafios da humanidade e da maneira como isto se reflete para as empresas. O Ethos vem promovendo ações para sensibilizar as empresas para a temática da sustentabilidade, trabalhando a questão da produção e consumo, em face dos recursos limitados do planeta, o que perpassa pela questão ambiental.

Outra questão não menos importante é o enfrentamento pelas empresas da questão da pobreza e desigualdade racial. Há desigualdade entre países e dentro dos países. No Brasil, temos uma forte desigualdade racial, sendo necessário avançarmos na questão da equidade racial, daí a importância deste encontro. Afirma que podemos aprender muito com a experiência norte-americana.

É fundamental o envolvimento de atores sociais. Não são as empresas que realizarão sozinhas tal desiderato. Mas é o envolvimento dos diversos atores sociais nesta questão que garantirá o avanço na área da igualdade racial. Salienta o papel preponderante do Estado brasileiro para o enfrentamento da desigualdade, com o apoio das empresas e da sociedade civil, enquanto atores sociais.

As empresas não possuem o mesmo papel que o Estado nesta questão, mas podem auxiliá-lo neste intento. Em muitas áreas, como a questão ambiental, as empresas têm papel preponderante em relação ao Estado, o que não se percebe nas empresas no campo da igualdade racial. Nesta esteira, o Ethos quer sensibilizar e mobilizar as empresas para a construção de uma sociedade justa e sustentável. O Ethos trabalha pelas empresas, mobilizando-as neste escopo. É necessário avançar em índices raciais.

O IPEA demonstrou em recente pesquisa que 71% dos brasileiros acreditam que a questão racial aparece com muita evidência no mercado de trabalho, daí o importância do Ethos na sensibilização das empresas, através da valorização da diversidade racial, mostrando que a diversidade é um valor para as empresas. É preciso que a empresa reflita em seus quadros a pluralidade da sociedade. Valorizar a diversidade é a chave do trabalho que o Ethos desenvolve.

Desde 2006 o Ethos criou um compromisso com empresas para atuação no campo da igualdade racial. No entanto, a situação atual mostra que o percentual de negros que ocupam cargos de direção nas empresas é extremamente desproporcional à realidade brasileira. Salienta que esta pesquisa será reeditada e atualizada. A velocidade do avanço é ínfima, sendo que se o quadro assim se mantiver, nós não superaremos esta questão em menos de 150 anos.

Nós não teremos um desenvolvimento sustentável se não enfrentarmos a questão da desigualdade social e racial no Brasil, bem como se não empreendermos um combate maciço à corrupção no país. Cita o exemplo das empresas do Grupo de Trabalho do Ethos: Alcoa, Bradesco, BP, CPFL, ITAÚ, Matos Filhos, Mc Donnalds, Shell, Natura, Wilson Sons, dentre outras. Este grupo de trabalho está desenvolvendo metas numéricas para inclusão social, o que muito contribuirá para avanço nesta área.

 

MATÉRIA DE JORGE ABRAHÃO SOBRE O SEMINÁRIO

Ontem, 20 de novembro, comemorou-se o Dia da Consciência Negra e hoje o Instituto Ethos está realizando um seminário de balanço das ações afirmativas das empresas pela igualdade racial, durante o qual também serão discutidas as iniciativas de governos que ajudam a tornar mais equânime a situação dos negros e das negras na sociedade brasileira. Apesar de reconhecer que ainda há muito por fazer, houve avanços significativos e as empresas tiveram um papel importante nesse progresso. Vamos comentar esse quadro agora.

Programa de ações afirmativas

O governo federal deve lançar ainda esta semana um programa de ações afirmativas que, entre outras iniciativas, vai incluir a adoção de cotas para negros no funcionalismo federal e a criação de incentivos fiscais para empresas privadas que fixarem vagas de trabalho para negros.

De fato, o mercado de trabalho ainda é um ponto crítico para a superação das desigualdades étnicas existentes no Brasil. Se o país vem caminhando para superá-las em outros setores, como o da educação, no campo do emprego a igualdade anda a passos mais lentos.

Um trabalho sobre a inserção do negro no mercado de trabalho realizado em 2010 pelo Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que a população negra predomina na população brasileira, é mais jovem, tem mais filhos, é mais pobre e está mais exposta à mortalidade por causas externas, especialmente homicídios.

Nos últimos anos, com as políticas compensatórias, houve ascensão social. De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad), são negros 80% dos mais de 40 milhões de brasileiros que ascenderam à classe C. Nas universidades, eles são 921 mil entre 3,5 milhões de estudantes. Uma porcentagem pequena se comparada ao total de universitários, mas já grande o suficiente para fazer diferença no mercado de trabalho. E como este se comporta em relação à inclusão de negros?

A pesquisa de 2010 do Dieese mostra que os negros predominam no setor agrícola (61,5%), na construção civil (60,1%), nos serviços domésticos (61,8%) e em atividades mal definidas (73%). Ou seja, mesmo com o avanço social e educacional, os negros ainda não têm oportunidade de ocupar posições mais qualificadas em setores de ponta da economia brasileira. Isso acaba por refletir na remuneração. Em termos salariais, o rendimento médio do homem negro ainda é metade do recebe o homem branco. A mulher negra está mais abaixo nessa escala: sua remuneração equivale, em média, a 30% do salário do homem branco e à metade do rendimento da mulher branca.

Nas empresas, a edição de 2010 da pesquisa Ethos-Ibope Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas mostra variação positiva na ocupação de cargos por negros e por negras, mas ainda aquém da participação deles no total da população brasileira.

Nos quadros funcionais, entre 2003 e 2010 a participação de negros ampliou-se de 23,4% para 31,1%. Nos cargos de supervisão, a evolução foi de 13,5% para 25,6%. No âmbito gerencial, a participação subiu de 8,8% para 13,2%. Entre os executivos, a proporção variou de 2,6% para 5,3%.

No que tange aos salários, um homem negro ganha 30% menos do que um branco para executar as mesmas tarefas.

Mas, afinal, qual é a influência da raça na sociedade?

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com 15 mil famílias em cinco Estados brasileiros e no Distrito Federal mostrou que 63,7% dos entrevistados acreditam que a raça influencia na vida de uma pessoa. Entre as situações nas quais a cor ou raça tem maior influência, o trabalho aparece em primeiro lugar entre as pessoas entrevistadas, com 71% das respostas. Logo em seguida, os brasileiros apontaram que a cor ou raça interfere “na relação com a Justiça ou a polícia”, citada por 68,3% dos entrevistados. Para 65%, esse fator também interfere no convívio social e, para 59,3%, cor e raça são fatores que atuam na maneira como as pessoas agem nas escolas.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também apurou que os jovens negros são os que mais morrem em razão da violência – 50% dos óbitos entre homens negros até 30 anos são decorrentes de homicídios. Entre os brancos, essa porcentagem é de 35%.

É alto o custo da desigualdade racial: levando-se em conta acesso a educação, saneamento e habitação, o professor Mário Theodoro, da Universidade de Brasília, calculou que o Brasil precisa de R$ 67 bilhões para equiparar negros e brancos num prazo curto, um volume de recursos que o Estado brasileiro tem condições de arcar, pois representava, em 2006, ano desse cálculo, oito meses de pagamento dos juros da dívida pública.

O que fazer?

O enfrentamento dessa questão depende de ações articuladas entre a sociedade civil, as empresas e as diversas instâncias de governo. Os governos estão fazendo a parte deles, com a aprovação de políticas afirmativas e regulações em diversas áreas, embora ainda falte harmonização entre iniciativas federais e estaduais. As empresas podem avançar mais e, por meio de suas ações, tornarem-se protagonistas da valorização da diversidade no mercado de trabalho.

Em 2006, o Instituto Ethos lançou a publicação O Compromisso das Empresas com a Promoção da Igualdade Racial, na qual recomenda alguns passos para a promoção da igualdade racial, tais como:

  • sensibilização de todos os funcionários para a questão;
  • realização de um censo interno, para verificar a realidade da empresa;
  • abertura de fóruns de diálogo para abordar os dilemas; e
  • estabelecimento de comitês e cursos sobre diversidade.

Para orientar na realização do censo interno, o Instituto Ethos disponibiliza também a publicação Diversidade e Equidade: Metodologia para Censo nas Empresas, lançada em 2008.

Ao conhecer a situação da empresa quanto à diversidade étnica, será possível elaborar e adotar um plano de ação com metas e prazos para que, num período de tempo considerado adequado pela companhia, aumente o número de profissionais negros e negras ocupando cargos nos diversos níveis hierárquicos.

Caso concreto

O Banco Itaú assumiu a responsabilidade de criar oportunidades iguais para todos valorizando o talento de cada um. Por meio do seu Programa de Diversidade, busca promover um ambiente de trabalho inclusivo, investindo na atração e na retenção de profissionais. Por meio do Programa Raízes, contribui para o desenvolvimento da cidadania e capacitação profissional de jovens negros, além de prepará-los para assumir diferentes funções nas áreas de negócios. O índice de efetivação dos estagiários desse programa supera os 60%.

O Itaú também dispõe de uma Política de Diversidade que está integrada ao planejamento estratégico da instituição e é regularmente divulgada entre todos os funcionários e partes interessadas.

 

 

AUSÊNCIA DA MINISTRA LUIZA BAIRROS, LEITURA DE OFÍCIO DA SEPPIR:

Resumo: é imprescindível aprofundar o debate sobre a temática da questão racial no Brasil. Houve avanços no tocante às ações afirmativas, porém muito há que se avançar no país. Persiste o subemprego e a informalidade no mercado brasileiro, de forma perene. O trabalho informal se recria, se reinventa, proporcionando subsistência para uma camada significativa da força de trabalho. Os trabalhadores informais – 50% da força de trabalho – são em sua maioria negros. Após Durban, o Brasil passa a reconhecer a importância da questão racial, de forma que as ações estatais atualmente concentram-se na educação. No tocante ao mercado de trabalho, estamos avançando, mas há um longo caminho a ser trilhado. Isto sem nos esquecermos das experiências internacionais que muito podem contribuir para a matéria. Mário Lisboa Teodoro – Secretário Executivo da Seppir.

 

 

 

MESA – Balanço da implementação das cotas raciais nas universidades públicas. Avaliação das cotas, mostrando os avanços, as dificuldades, e dados sobre a inclusão dos jovens negros nas universidades, e também reforçar que as cotas são um meio de ação afirmativa entre vários outros necessários.

 

         FREI DAVID RAIMUNDO DOS SANTOS – EDUCAFRO

         FRANCISCA RODRIGUES - PESQUISADORA E DIRETORA ACADÊMICA DA FAZP –

         PROF. HÉLIO SANTOS - MEDIADOR

PROFª FLÁVIA PIOVESAN – PUC/SP – AUSENTE

 

HÉLIO SANTOS: Em dez anos de ações afirmativas nas universidades registramos o maior número de negros matriculados, do que no século vinte inteiro. Estas políticas causam um forte impacto no Brasil, porque atuam nas estruturas sociais, mudando o “status quo”. Ressaltou o trabalho do Frei David para a consecução deste objetivo.

 

FREI DAVID:

Dados importantes: mencionou o recebimento de um e-mail enviado pelo governador Alckmin após a ocupação de alunos da EDUCAFRO, instituição capitaneada pelo palestrante, na UNESP, através do qual noticiava o governador a implementação de programas de cotas nas universidades paulistas, até dezembro deste ano de 2012. Afirmou que São Paulo tem a maior população negra do Brasil, em números absolutos.  No e-mail, o governador afirmou que o programa de São Paulo será “melhor” que o projeto recentemente aprovado no Congresso Nacional, que obriga as universidades federais a reservarem, paulatinamente, um percentual progressivo de cotas sociais e raciais para os alunos egressos da rede pública de ensino.

Afirmou que, no momento em que se realizava o seminário, havia um grupo de alunos da EDUCAFRO acorrentados no CAP para exigirem que o governador determine cotas para negros no CAP da UERJ. Parabenizou a presidente pela iniciativa de exigir a implementação de cotas raciais no serviço público, cujo projeto foi entregue ao Ministério do Planejamento. No entanto, o projeto recebeu parecer contrário de um assessor, em afronta à posição do STF. Um grupo de negros da EDUCAFRO irá à posse do ministro Joaquim Barbosa e entregará uma carta ao Advogado-Geral da União para derrubar o parecer do Ministério do Planejamento. Eis o resumo das ações políticas perpetradas pelo palestrante no momento.

 

Passou, ato contínuo, ao balanço das ações afirmativas, apresentando pesquisa encetada pela ONG EDUCAFRO, que capitaneia.

No tocante às Instituições que adotaram sistema de cotas antes da Lei Federal que obriga a adoção, o processo avançou muito. No Brasil há quatro tipos de ações afirmativas: sistema de cotas raciais, aumento de vagas (UNIFESP), pontuação cega (USP, UNICAMP); argumento de inclusão (UFRN). Afirma que o método da UFRN é muito bom, ao contrário do programa de “pontuação cega” da USP e UNICAMP.

Não são os negros que são os principais beneficiados pelas cotas. Afirma que aumenta o “fosso social” entre brancos e negros nas universidades, apesar das cotas. Afirma que é necessário uma ação estratégica para correção deste problema. Relatou a forma de atuação da USP e UNICAMP, errôneas a seu ver.

Se por um lado as cotas são bem sucedidas, há um problema grave: aumenta o número de brancos mentindo no quesito raça. O reitor da UERJ afirmou que não implementaria nenhum critério de aferição das informações prestadas. Afirma que há “vagas roubadas” dos negros por pessoas com características fenotípicas europeias.  Para corroborar a afirmação apresentou, brevemente, uma série de dados em retro-projeção.

Salientou que, em escolas públicas do interior paulista, como não há boas escolas privadas, as escolas públicas, em virtude da frequência de filhos de políticos e pessoas da classe média alta, possuem alta qualidade, o que garante o ingresso dos filhos destes nas universidades públicas.

Ao lado da questão educacional, é preciso avançar na inclusão de negros no mercado de trabalho. Afirmou que está aparelhando medida judicial contra a FEBRABAN (Federação Brasileira dos Bancos), em virtude de problemas ocorridos em portas giratórias com pessoas negras.

Na UERJ, a inclusão do negro e branco pobre demonstra que os beneficiados têm um ótimo desempenho, o que é comprovado pelas ótimas  notas de avaliação recebidas nas universidades. Afirma que as pessoas que são beneficiadas por um programa de inclusão social ou racial agarram-se fortemente a tal oportunidade, o que reflete no desempenho universitário destas pessoas.

 

 

FRANCISCA RODRIGUES – DIRETORA ACADÊMICA DA FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES

 

Afirma que muitos alunos da EDUCAFRO estão na Faculdade Zumbi dos Palmares, única que tem quase 90% dos alunos negros autodeclarados, oriundos da rede pública de ensino. Afirma que tem desenvolvido um trabalho nas empresas, principalmente com os bancos, para que estes garantam a alunos da Instituição o acesso a cargos de direção nas organizações. Afirma que os alunos que o percentual de alunos efetivados, dentre os estagiários em tais instituições parceiras, alcança o patamar de 90%.

A Faculdade criou em conjunto com a SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência) e SEPPIR (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial), o “Observatório da População Negra”, órgão de pesquisa da Faculdade dedicado à produção intelectual e reunião de dados sistematizados sobre as políticas públicas para inclusão racial.

Ressaltou a realização de seminário em que reuniu 10 universidades historicamente negras norte-americanas para discussão da questão da igualdade racial no Brasil, em comparação com a realidade norte-americana.

         Afirma que não é discutido mais a questão das cotas raciais no âmbito da FAZP, posto que a grande maioria dos alunos e dirigentes são negros, tendo formado mais de 1.000 alunos até a presente data, oferecendo a eles colocação no mercado de trabalho em prestigiados postos nas empresas parceiras.

 

 

PERGUNTAS:

HÉLIO SANTOS: Discutia-se a respeito do desempenho  dos beneficiados pelo programa de cotas raciais e sociais. Provou-se que estes cotistas têm um alto desempenho nas universidades. Uma outra questão é a respeito da destinação dos programas de cotas. Afirma que as chamadas cotas sociais não podem ser chamadas de ações afirmativas, posto que estas são destinadas a populações historicamente preteridas e colocadas em situação de desigualdade. Afirma que, no caso das cotas sociais, há um “subproduto social”, à medida que outros grupos são beneficiados pela política de cotas. Ex.: filhos de policiais mortos, egressos de escolas públicas.

ANA CLARA – ITAÚ: as cotas são fundamentais para gerarem mudanças históricas, mas para serem sustentáveis temos que melhorar a qualidade da escola pública.

FREI DAVID: O problema do ensino fundamental e médio é gravíssimo. Setenta por cento do que é estudado só serve para o vestibular. Temos que lutar pela mudança no conteúdo programático do ensino público. O vestibular não mede capacidade, mas sim qual o grau – bom ou ruim - de nascimento dos que o prestam.

PERGUNTA 2 – Como as instituições podem contribuir para as universidades?

FRANCISCA – No que as instituições podem contribuir? As universidades que implantarão cotas têm que cumprir a lei, mas em diálogo com setores privados que já praticam as cotas, como a FAZP, o CEERT, dentre outras. No caso da FAZP há um programa de reforço escolar para alunos que assim o desejarem.

FREI DAVID – Não adianta haver um repasse de recursos do Ministério da Educação para as universidades federais, se estes valores forem desviados dentro das instituições. Há várias universidades que não têm controle financeiro. Afirma que os recursos do MEC têm que ser destinados diretamente para o aluno cotista, sem intermediação das universidades, ou seja, não passandos pelos seus caixas.

 HÉLIO SANTOS – A questão das cotas acaba interferindo na economia do setor de “cursinhos”.

PERGUNTA 3 – Como superar o problema da autodeclaração falsa?     

FREI DAVID – Afirma que a autodeclaração falsa, é um problema ético que tem de ser enfrentado. Cita o método da UNB, levianamente chamado “tribunal racial”, em que são verificados se os alunos fizeram declaração falsa, o que na verdade é um instrumento de controle de fraudes.

HÉLIO SANTOS – Ressaltou o papel de Frei David e da FAZP no avanço na questão racial, como exemplo para países da América Latina, como a Colômbia, p.ex. Afirma que a autodeclaração falsa, conduta tipificada como crime no Código Penal pátrio, é um grande desafio para o Brasil e deve ser combatido. Este debate mostra que o Brasil tem avançado muito e com qualidade na questão da inclusão racial nas universidades.

FREI DAVID – Por fim, ressaltou o problema da meritocracia justa e injusta que existe no Brasil.

 

 

MESA 2 – Situação atual da participação dos negros no mercado de trabalho e ações afirmativas do governo e das empresas para promoção da igualdade racial. Apresentação de dados estatísticos e pesquisas sobre a participação atual dos negros, e de ações afirmativas do governo em concursos públicos, como, por exemplo, no Itamaraty, e de empresas. Resultados, aprendizados, perspectivas para o futuro.

 

REINALDO BULGARELLI - TCHAI CONSULTORIA

ELIANA ELIAS – DIRETORA TÉCNICA DO DIEESE

MÁRCIO REBOUÇAS - INSTITUTO ITAMARATY – MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

VARLEI COSTA – LÍDER DO GRUPO DE DIVERSIDADE - IBM

MEDIAÇÃO – PROF. SÍLVIO LUÍS DE ALMEIDA – FACULDADE SÃO JUDAS TADEU

 

         PROF. SÍLVIO LUÍS – O trabalho é uma dimensão fundamental da vida ética. Não podemos nos olvidar do valor da “Justiça Social”. Estamos falando das condições sociais e políticas para que a igualdade e a liberdade se tornem algo concreto.  O trabalho no Brasil, principalmente do homem e mulher negros, é extremamente importante. A questão racial no Brasil denota um aspecto crucial, em que sempre foi desvalorizada a mão-de-obra negra. O que se fez com o trabalho do negro foi relegá-lo à informalidade e ao desemprego. Hoje, discutindo a igualdade material em contraposição à formal, temos que olhar para a responsabilidade social e política do setor empresarial. Os números que representam a desigualdade hoje existente demonstram fatores de atraso econômico no Brasil, uma vez que grande parte da população negra está excluída da participação no mercado.

 

         MÁRCIO REBOUÇAS – ITAMARATY – O programa de ação afirmativa do Itamaraty, guarda vigência desde a década de 1990. Durante os anos 1980, a composição do Itamaraty era de membros da elite carioca. Diante deste quadro, foram implantadas mudanças nos certames para recrutamento e seleção de diplomatas. O resultado destas mudanças é refletido na representação das regiões brasileiras no corpo diplomático, que é muito melhor distribuído geograficamente. Antes os quadros do Itamaraty eram, em sua maioria, originários do Rio de Janeiro, das classes sociais mais abastadas, ou seja, da elite carioca. Hoje, a maior fonte de diplomatas é São Paulo.

Em 2002 foi instituído o programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco, voltado à população negra, que conta com o apoio de diversas entidades. É um programa de concessão de bolsas de estudo, no valor anual de R$ 25.000,00, para dedicação exclusiva aos estudos de preparação para a carreira de diplomata. É um curso preparatório para o concurso de ingresso na carreira. Os bolsistas são muito bem recebidos no Ministério das Relações Exteriores. O programa tem os seguintes objetivos: trazer negros para integrarem os quadros do Itamaraty, ocupando cargos na carreira de diplomata; sinalizar para a sociedade que o Itamaraty quer modificar a sua própria imagem, mostrando que quer a presença de negros em seus quadros.

Nem todos, no entanto, mesmo contando com a bolsa de estudos conseguem a aprovação no curso de admissão na carreira diplomática. No entanto, os que não conseguiram a aprovação, em virtude da formação que adquiriram graças ao programa de bolsas, conseguem uma colocação muito  melhor no mercado de trabalho.

 

REINALDO BULGARELLI – tem um forte envolvimento com a temática racial, desde 1978, quando participava de uma pastoral da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, participação que lhe proporcionou um forte impacto na sua formação pessoal. Sócio proprietário da “Tchai Consultoria”, tem forte atuação na temática da diversidade racial, auxiliando diversas empresas e instituições na implantação de programas de valorização da diversidade racial.

No tocante à questão racial no mercado de trabalho, houve poucos avanços no Brasil. Pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto Ehos, mostra que do total de cargos executivos nas empresas 5,3% são ocupados por negros e 93,3% por brancos. Houve um aumento de 2,7% em nove anos. Considerando que a população negra representa 50% da população brasileira, só atingiremos esta representação em 149 anos, o que denota quão longe estamos da tão sonhada democracia racial.

Estes dados reforçam a necessidade da adoção de programas de cotas no mercado de trabalho.  Este ritmo de incremento na ocupação de cargos executivos por negros é insustentável. Temos pressa. A inércia não é permitida. Como podemos mudar este cenário? Temos que valorizar a diversidade! É impossível valorizar a diversidade sem falar em ações afirmativas. Afirma que os 93,3% dos brancos em cargos executivos estão se beneficiando de um privilégio injusto.

A maioria das empresas não possui um sistema de censo interno para saber quem, quantos e quais os cargos que os negros ocupam em seus quadros. Nos cargos executivos houve aumento de apenas 9% de ocupação de negros nas empresas. O ritmo é muito lento. Teremos que ser criativos e encontrar soluções. As empresas afirmam que o aumento não é fruto de gestão, mas contingencial. A maioria das empresas não possui metas, mas têm programas para valorização dos negros. Os argumentos das empresas reforçam os discursos discriminatórios, como explicação do baixo preenchimento de cargos executivos com negros.

O problema é social ou é racismo? Afirma que o discurso na sociedade é racista, e isto precisa ser reconhecido. As empresas reproduzem práticas racistas e discriminatórias. As empresas são brancas, branqueadas e branquejantes. Cita o exemplo do preconceito das empresas com o cabelo das pessoas negras.

 

ELIANA – DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos), especializada no mundo do trabalho.

 

A pesquisa de emprego e desemprego desenvolvida pelo DIEESE mostra as modificações no mercado de trabalho nos últimos dez anos, no tocante à inclusão racial.

Os indicadores do DIEESE a respeito da situação do negro no mercado de trabalho são reveladores, principalmente no tocante à diferença da condição de atividade da população negra (ativa e inativa). A população ativa, que está acima de 10 anos no mercado é representada por 36% de negros e 64% de não-negros. A primeira desigualdade da participação dos negros evidencia-se, principalmente, pela quantidade de negros desempregados que é maior do que sua representação na população brasileira, mesmo com o crescimento econômico dos últimos anos.

De toda a população negra em idade ativa, 64% está no mercado de trabalho. A fala de que o negro não é engajado no mercado de trabalho é uma falácia. O nível de escolaridade da população negra aumentou, mas ainda persiste a desigualdade de acesso ao mercado de trabalho.  Há um grande e persistente desafio no mercado de trabalho, que está gerando emprego, num cenário de desenvolvimento e não de recessão. Ainda, assim, as desigualdades são gritantes. Houve um crescimento da participação dos negros no ensino superior. No entanto, o hiato ainda é muito grande entre a população negra e não-negra. É inegável que a participação da população negra no nível superior tem crescido. No entanto, há um abismo entre a população negra e não-negra. Mesmo no avanço a desigualdade é reafirmada.

O dado mais impactante são as taxas de desemprego, posto que revelam a dificuldade de inserção dos negros no mercado de trabalho. Há 10 anos, a cada 100 pessoas não-negras, 16 estavam desempregadas; a cada 100 negros, 24 desempregados. Há uma grande dificuldade de inserção do negro no mercado de trabalho. A distância permanece agora em níveis menores, com uma forte queda da taxa de desemprego. Nos últimos dez anos houve uma melhora significativa dos índices de desemprego entre a população negra, mas ainda há um hiato em relação à população não-negra. Em Salvador, onde temos o maior percentual de negros na população, a desigualdade é a maior do país.

Outro recorte importante onde melhoram os índices, mas permanecem as desigualdades, é aquele referente às mulheres negras, com queda de 10 pontos percentuais em média. Os índices de desemprego com recorte de gênero combinado com racial é o dobro para mulheres negras, que têm participação predominante no trabalho doméstico. Assim, o binômio educação-trabalho forma um círculo vicioso que mantém a população negra em situação de desigualdade.  

O indicador mais contundente que demonstra a desigualdade racial é o valor dos salários pagos aos trabalhadores, onde se evidencia de forma clara a desigualdade entre os rendimentos da população negra e da não-negra. Eis a revelação mais contundente da desigualdade e da discriminação racial no Brasil, mesmo com os avanços na economia brasileira.

Estes desafios tornam-se maiores quando se verifica as negociações coletivas a respeito da questão racial. Há um percentual muito baixo de negociações coletivas em torno da questão racial, as quais são restritas ao âmbito de algumas pouquíssimas classes, como os bancários por exemplo.

Na opinião do DIEESE, a organização de mesas de debate no âmbito das organizações é fundamental para colocar a nu o racismo existente e propor ações para avanço no âmbito da igualdade racial.

 

 

 

VALLEI COSTA – IBM:

           Líder do Grupo de Diversidade da IBM. Representa o grupo de diversidades raciais da IBM. Há 18 anos na IBM afirma não ter, até então, sofrido com a questão racial, nunca se sentiu discriminado. No entanto, percebeu que era o único negro que estava ascendendo na carreira; isto o incomodou e tornou-se o líder do Grupo Afro de Diversidade da IBM.

         Os funcionários afrodescendentes da IBM são 11% num universo de 11.000 funcionários. Gerentes são apenas 3%. Corpo Executivo, apenas  5%. A IBM tem um programa mundial de diversidade e está implantando um programa de recrutamento, desenvolvimento de carreiras e retenção dessas pessoas no quadro de funcionários. Afirma que no âmbito da IBM não há discriminação e que isto se reverte em lucros e negócios para a própria empresa.

         Afirma que o principal problema é que poucos são os funcionários negros que se apresentam com qualificação suficiente no processo de seleção, daí a importância de se focar iniciativas na área educacional.

         A IBM tem trocado experiência com outros países, tendo recebido a líder americana do grupo de diversidade da IBM nos Estados Unidos.

         O Grupo Afro da IBM tem implantado estudos para descobrir quais as ações que podem ser implementadas para superação das desigualdades existentes hoje dentro da própria empresa.

 

 

PROF. SÍLVIO LUÍS – Em razão do adiantar da hora, as perguntas serão realizadas nas oficinas, à tarde. No entanto, faz uma primeira “questão-provocação” para posterior debate: qual o papel que a diversidade pode ter de fato no mercado de trabalho? Faz sentido falar em racismo estrutural, que não é declarado?

O Brasil foi construído com trabalho escravo e com privilégios de alguns setores da população, fruto da exploração do trabalho de homens e mulheres negros deste país. É preciso transformar o tipo de relação social que existe neste país. Há uma “sobre-determinação” das relações raciais. A economia brasileira foi construída estruturalmente com a subalternização do negro.

O contexto econômico mundial denota uma profunda crise econômica. Sempre que há crise econômica há uma tendência ao recrudescimento da violência contra as minorias, posto que as relações econômicas, e suas contradições, ficam mais evidentes. No Brasil, estamos franqueando o acesso dos negros ao mercado de consumo. Os padrões de consumo são globais. Esta inserção produzirá contradições. Assim, como a questão racial se manifesta concretamente no campo da economia, nos padrões de consumo, quais as consequências do aprofundamento da crise e das contradições que são postas a nu com ela?

 

PALESTRA: a questão racial no Brasil e nos EUA – uma análise comparada para a superação de mitos. Trazer o panorama da questão racial e casos de iniciativas na área educacional e no mercado de trabalho nos EUA. Trazer análise comparada entre a situação do Brasil e dos EUA em relação à questão racial, procurando tratar sobre os mitos em relação à “democracia racial” brasileira, e seu impacto na questão das ações afirmativas, também rodeadas de mitos.

KIMBERLÈ CRENSHAW – professora das Escolas de Direito da Columbia University e da UCLA

LUKE CHARLES HARRIS – professor de ciências políticas do Vassar College

JUREMA WERNECK – MEDIADORA – médica, fundadora e presidente da ONG CRIOLA

 

JUREMA WERNECK: Abertura da mesa de debate salientando a importância da troca de experiências no tocante às ações afirmativas. No entanto, há que se ter em mente as diferenças entre as realidades americana e brasileira. No Brasil a discriminação racial acontece de forma velada - “ à brasileira” - que não deixa de ser tão violenta quanto à americana. Usualmente há uma certa superficialidade na comparação das duas  realidades. Importante observar que historicamente as empresas americanas se apropriaram da questão racial, revertendo tal apropriação em lucros para a própria empresa.

Salientou que temos em nossa vivência elementos empíricos suficientes para compreender o racismo brasileiro, o que evidencia o papel das empresas na superação desta realidade. O Brasil e os EUA têm realidades muito parecidas, mas também bem diferentes. O que se tem desenvolvido no Brasil é uma iniciativa protagonizada pelos próprios negros, em oposição ao Estado brasileiro e às camadas que lucravam e lucram há muito tempo com a manutenção da estrutura de reprodução das desigualdades. Assim, as ações afirmativas já vinham sendo realizadas pelos próprios negros há muito tempo, mas não pelo Estado. Quando as ações afirmativas passam a integrar a agenda governamental, isto denota uma grande diferença em relação ao modelo americano de ações afirmativas. Isto porque nós vivemos o capitalismo de maneira diferente, periférica.

No caso brasileiro, após uma decisão judicial que declara a constitucionalidade das ações afirmativas, há uma movimentação governamental para implementação, de forma coercitiva, num primeiro momento, de tais medidas de redução da desigualdade racial. No Brasil, o Estado apenas integrou tal tema na agenda por absoluta imposição, quer seja pelo efeito moral da decisão judicial do STF, quer seja pela aprovação de uma Lei Federal pelo Congresso Nacional.

No caso americano, diferentemente, o compromisso das empresas com a questão da igualdade racial mostra a diferença gritante relativamente à realidade brasileira, posto que nos EUA as empresas se apropriaram da questão racial, assumindo-o e lucrando com ele.

No Brasil, alguns vêem as ações afirmativas de forma pejorativa. Assim, para o senso-comum, as ações afirmativas são vistas de forma negativa, chegando-se ao extremo de chamá-las de ações de “discriminação positiva”, diferentemente do caso americano.

O que ocorre no Brasil, segundo a mediadora, é um “desprivilegiamento dos brancos”. Afirma que os brancos acabam tendo que disputar com negros lugares que antes lhes estava garantido. Isto, no Brasil, coloca o racismo em “praça pública”. Nunca o racismo foi tão debatido e colocado a nu pelos discursos públicos. Hoje  o debate acerca do racismo está se publicizando. Em todas as universidades em que se debateram cotas raciais, houve manifestações violentas contrárias a tais práticas. Tal violência colocou o racismo brasileiro em praça pública. Outra questão que põe em evidência a questão racial e o racismo brasileiro, escondido pelo mito da democracia racial, é a inserção de negros no mercado de trabalho.

A questão que se coloca para os visitantes americanos é: há necessidade de uma ação mais enérgica do governo brasileiro?

KIMBERLÈ CRENSHAW – Afirma que viajam o mundo inteiro para debater a questão do racismo em suas diferentes formas. Para o avanço na questão racial no Brasil, precisamos refletir acerca da estratificação social. Nos EUA há um desconforto em discutir a questão racial. Colocar o assunto mais diretamente é participar do problema. Então as empresas terão que fazer este debate.

Nos EUA, a título de exemplificação, tornou-se evidente que o amianto causava severas doenças. Assim, a sociedade americana precisou decidir de forma franca e aberta a questão do amianto. O resultado é que agora há protocolos para prevenir tais doenças na população. Do mesmo modo, a questão do racismo deve ser identificada e debatida, de forma franca, para que este mal possa ser reconhecido e removido da sociedade.

Para promover igualdade em sociedades como a nossa, era necessário a existência de avanços significativos. Tais avanços não envolviam apenas o governo americano ou os movimentos de direitos civis. Era uma necessidade da sociedade americana como um todo. “Nós queríamos mas não sabíamos como”. Assim, o presidente Keneddy criou um programa para incentivar as empresas americanas a implantarem ações afirmativas. O presidente Johnson dizia que deveria haver uma assunção de responsabilidade pelas empresas para conseguir este escopo. Assim, a questão não era meramente garantir a representação proporcional de negros nas empresas americanas, refletindo sua participação na população, posto que os negros representam meros 14% desta população.

Assim, Nixon criou o Plano Filadélfia, que combateu firmemente as barreiras existentes nas empresas para ingresso de negros em seus quadros. Nixon acreditava que o governo era o principal agente do mercado. E assim, criou um programa que concedia vantagens a empresas que incluíam em seus quadros as minorias. Assim, foi este estímulo do governo que fez com que os EUA avançassem de fato no campo da igualdade racial. Assim, para promoção da igualdade racial não basta admoestação moral, de forma que é necessária a ação conjunta dos vários atores da sociedade.

Vivemos em uma sociedade em que as barreiras não são construídas de uma ora para outra. Malcolm X dizia que o racismo é como a indústria automotiva, a cada ano surge um modelo diferente.

Apesar do grande avanço, ainda há muitas barreiras discriminatórias nos EUA. Ainda há uma preferência pelo fenótipo de brancos, assim como no Brasil. São as pesquisas que nos ajudam a monitorar a realidade e nos servem de argumento. Tudo é muito significativo. Mas uma das principais oposições às ações afirmativas vêm daqueles que a acusam de serem um sistema de privilégios. Tal argumento é largamente utilizado. Na verdade, é uma forma negativa de se encarar o problema. Não podemos encarar as ações afirmativas como formas de privilégio, mas sim como uma reparação histórica.

 Ao contrário do que Johnson afirmava, utilizando-se de uma alegoria, o problema não está no atleta (o negro), mas na pista de corrida (a sociedade).

 

LUKE CHARLES HARRIS – Apresentará um panorama de como as ideias sobre ações afirmativas circulam nas diferentes sociedades. Falará da ação afirmativa numa perspectiva pessoal.

Uma ideia que circula nos EUA diz que, embora beneficiem os negros, as ações afirmativas beneficiariam a classe média que delas não precisam. Outra ideia é que elas não favorecem aqueles que realmente delas necessitam. Outra questão é que as pessoas acreditam que as ações afirmativas estigmatizam os seus beneficiários.

As ações afirmativas foram extremamente importantes na vida do palestrante. Em 1968 as ações afirmativas tornaram-se política de Estado. Na verdade, elas foram uma resposta às revoltas contra a morte de Martin Luther King. O palestrante nasceu quatro anos antes de um importante caso julgado nos EUA a respeito de igualdade racial/direitos civis. As decisões a respeito de direitos civis produziram grandes mudanças para os afrodescendentes. Os afro-americanos estavam segregados em todos os aspectos da sociedade. Foi neste contexto que as ações afirmativas surgiram nos EUA, num contexto de extrema segregação. Uma das coisas que eles aprenderam é que as ações afirmativas deveriam ser implementadas naquele momento, não depois, mas naquele momento em que se discutiam os direitos civis, momento em que a segregação era gritante. Diante disso, a questão racial suscitou graves problemas quando discutidas nos EUA.

Cita um episódio em que estavam gravando um documentário numa cidade extremamente pobre dos EUA, há cerca de quatro anos. A intenção era comparar a dificuldade que aquelas pessoas enfrentavam. Tal documentário despertou no palestrante as memórias das dificuldades que enfrentou na sua infância e dos obstáculos raciais que as pessoas enfrentavam e continuam a enfrentar. Havia bairros segregados, escolas segregadas, estereótipos raciais, que até hoje os afro-americanos enfrentam. Quando tinha 14 anos, na escola, era constante o discurso de que ele não seria capaz de estudar em uma universidade. Ele acabou acreditando nisto, até que, ao participar do movimento pelos direitos civis, foi beneficiado por uma ação afirmativa. A formação de excelência que lhe foi proporcionada numa universidade, graças às ações afirmativas, e a experiência que obteve  em decorrência, mudaram toda a sua vida. Assim, pôde obter o doutoramento e, mais tarde, tornou-se professor universitário. As ações afirmativas mudaram sua vida e deram outro contorno a ela.

Assim, ao falar no documentário sobre todo o contexto social em que viveu, percebeu após, ao assisti-lo, que ele fora modificado e descaracterizado pelos seus produtores. Daí a ilação de que a noção de igualdade e a concepção da promoção desta política, supõe erroneamente que todas as pessoas devem ser tratadas igualitariamente. Assim, num lugar como o Brasil e os EUA em que as pessoas foram historicamente tratadas de forma desigual, há uma discriminação reversa. Assim, quando as pessoas não-negras vêem negros ocupando os espaços antes ocupados unicamente por si, acabam tendo a impressão de que estão usurpando o seu espaço. No entanto, a despeito disto, há estudos que demonstram que os alunos que entraram nas universidades por ações afirmativas tiveram um grande êxito.

 

        

PERGUNTAS: Vocês demonstraram que o enfrentamento da desigualdade racial perpassa pela implantação de ações afirmativas. Nós, brasileiros, estamos buscando atualmente formas de implementação de ações afirmativas nas empresas brasileiras e estrangeiras aqui sediadas. Como vocês estão vendo o debate neste momento de crise. Qual a vantagem competitiva pode surgir para as empresas que implementarem ações afirmativas. No caso do HARRIS, que passou a fazer parte de uma classe social de elite, como foi sua experiência?

KIMBERLÈ CRENSHAW: Nós ouvimos histórias de sucesso. As empresas estão agindo no contexto de crise econômica. Muitas organizações de direito das populações negras, ainda não se deram conta de que a diferença de renda, que existe entre brancos e negros, na realidade americana, não é relativa ao salário ou rendimento mensal, mas à riqueza acumulada. A riqueza, muito mais do que a renda, é o que determina a diferença entre brancos e negros nos EUA. Esta diferença gritante nos EUA foi aprofundada com a crise econômica mundial. Isto tende a agravar a questão racial e a discussão sobre igualdade racial nos EUA. Assim, a questão racial não está resolvida nos EUA. Um dos problemas é a forma que a mídia vem produzindo o discurso. Não se fala mais de raça, ou do argumento da Justiça racial. Assim, estão em voga dois argumentos antagônicos: o de utilidade e o de justiça. O primeiro utilizado pelos brancos; o segundo pelos negros.  Na verdade o foco do debate vem sendo transferido para as empresas. Qual a utilidade das ações afirmativas para as empresas, a fim de que possam manter competitividade global? Assim, os argumentos são utilizados concomitantemente. O que é necessário é reunir os argumentos de competitividade global e justiça, o que não se vê nos EUA, mas que a palestrante percebeu nitidamente no conteúdo das palestras no Brasil.

 

 

LUKE CHARLES HARRIS – O palestrante ressentia-se de que seus colegas do ensino médio tinham tanta capacidade quanto os seus colegas de Yale.  Nos EUA nunca houve uma geração de negros que tenha frequentado uma instituição de excelência. Você tem que combater o racismo quando você passa por estas instituições. As pessoas que foram bem sucedidos devem sentir-se extremamente orgulhosas por terem tido tal oportunidade.

 

 

PERGUNTA DA PLATEIA: O fato de que tenha havido um “apartheid” na sociedade americana, aliado ao fato de que os EUA tenham assumido uma posição de líder perante outros países, proporcionou um avanço dos negros nos EUA? O processo de racismo velado, existente no Brasil, constitui um problema para a superação da desigualdade racial. E qual a posição do Brasil no cenário mundial e, principalmente no contexto da América Latina, no plano econômico, segundo a percepção dos americanos?

LUKE CHARLES HARRIS - As possibilidades que as ações afirmativas encerram podem ser muito úteis para a superação das desigualdades raciais no seio da sociedade brasileira. O impacto de tais ações contra o racismo pode funcionar em todo mundo. A forma como isto se dá depende da organização política da sociedade. Houve sucessos enormes nos EUA. No entanto, há muito que se avançar. Um exemplo é a situação dos latino-americanos. O discurso da “discriminação reversa”, utilizado contra as ações afirmativas, mostram que não se trata de tomar o lugar de uma outra raça ou classe. Em cada sociedade em que houve uma subordinação racial, há a tendência a se criar o discurso de “discriminação reversa”, utilizado  pelos brancos, para tentar coibi-las. Nos EUA há um retrocesso em termos de ações afirmativas. No caso brasileiro há o mesmo fenômeno. A grande questão nos EUA é: há sub-representação dos brancos nas esferas da sociedade?

 

 

KIMBERLÈ CRENSHAW – Temos que nos manter vigilantes, pois as conquistas podem ser revertidas. A discriminação racial positivada no ordenamento jurídico americano, através de leis de segregação racial, embora tenha deixado de existir, foi substituída por outras formas veladas de discriminação. Assim, as formas de discriminação são similares nos vários países, produtos de estereótipos reproduzidos pela sociedade. Se um país te um problema racial ele deve ter intervenções focadas e amplamente discutidas para superação das desigualdades.

 

 

Depoimentos de dois jovens negros em relação à sua experiência, dificuldades encontradas no mercado de trabalho e em outros âmbitos da vida, etc. - ISIS CONCEIÇÃO e LEANDRO RESENDE

 

ISIS CONCEIÇÃO - Ex-representante da Natura, propôs um programa de valorização da igualdade racial. Assim, a representante fez um curso pela Fundação Fullbright, nos EUA, através do qual estudou as formas utilizadas pelas empresas americanas para implementação de programas de valorização da diversidade racial. Ao retornar ao Brasil, achou que não teria dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho. Nada obstante, apesar de extremamente qualificada, teve bastante dificuldade para obter recolocação no mercado de trabalho. Atribui tais dificuldades a barreiras impostas pelas áreas de recrutamento das empresas, principalmente no que concerne à exigência de perfis previamente definidos de pessoas, pautados no seu aspecto exterior, bem como na exigência de domínio de códigos organizacionais. No entanto, afirma que é extremamente qualificada e, ainda, assim, não conseguiu recolocação tão rapidamente. Fez mais de 60 entrevistas ao voltar ao Brasil. Atribui tal dificuldade ao racismo estrutural existente na sociedade brasileira.

 

LEANDRO RESENDE – Trabalha na Tchai Consultoria. Gestor de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo.

Um dos fatos que o direcionou a estudar direitos humanos e, sobretudo, relações raciais, foi quando um colega de curso disse em sala de aula que era “eugenista”, de direita, e que estava representando outros colegas que comungavam da suas ideias. Ficou assustado com a fala do aluno e preocupado. Sua sala de aula na universidade possuía 02 negros e 58 brancos. Assim, resolveu estudar relações raciais e trazer o debate para dentro de sala de aula. Afirma que o próprio curso que fez na USP o levou a buscar informações, quando descobriu a existência de empresas que praticavam programas de igualdade racial.

Quando estava no último ano de faculdade, foi procurar programas de trainee, tendo se deparado com imagens de jovens, em tais programas, nas quais não havia nenhum negro. Não se reconhecia nas imagens de trainees veiculadas pelas empresas, o que o levou a pensar em quão doloroso seriam o processo de seleção e, numa hipótese remota de aprovação, o processo de ascensão dentro da empresa.

Citou o exemplo de empresas que encontram dificuldades de encontrar candidatos negros para participação dos processos seletivos. Propõe não só a existência de negros nas campanhas de recrutamento e seleção, mas a veiculação de imagens de negros em posições de destaque. Finaliza com a frase de Sueli Carneiro: “um país que foi capaz de construir um belo mito da democracia racial, também é capaz de torná-lo realidade. Nisto as empresas têm um grande papel.”

Por fim, Reinaldo Bulgarelli, proprietário da consultoria que o empregou acredita que, embora este egresso da USP, negro, não tenha todas as qualidades necessárias para o cargo, resolveu empregá-lo e fornecer-lhe os subsídios para torná-lo um grande profissional. Salientou a postura irretocável do aluno na empresa. Bulgarelli afirma que o mercado não está aberto para os negros que hoje estão se formando. Assim, as empresas estão desperdiçando talentos.

 

 

  • OFICINA: Desafios para o avanço da igualdade racial no mercado de trabalho brasileiro. Condução: REINALDO BULGARELLI
  • O que falta para termos avanços?
  • Quais são as ações fundamentais que as empresas devem desenvolver? Quais são os dilemas e desafios?
  • Casos de boas práticas: quais foram as ações fundamentais, e o que a empresa teve que superar?

 

MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA WARNER – Sentiu falta da presença do Estado neste evento. Acredita que o ETHOS precisa firmar alianças com o Poder Público, principalmente no âmbito estadual e municipal. Afirma que a cultura dos gestores públicos reproduz estruturas de discriminação que impedem o avanço nesta pauta.

         ANA CLARA – Gerente do Programa de Diversidade do Banco Itaú – Salientou que, como gestora de recursos humanos, já se deparou com inúmeras situações em que, diante de candidatos com a mesma formação, branco e negro, este é preterido no processo de seleção, muitas vezes por possuir uma bagagem cultural muitas vezes menor do que o candidato branco.

         CLARA – Professora de terceiro ano do ensino fundamental – o grande desafio é a auto-afirmação do negro. Fez um projeto em parceria com a Coordenadoria do Negro. O mais complicado é para as crianças e os pais se aceitarem como negro. Eles não têm perspectiva de futuro. Os estereótipos que as crianças e os pais carregam, do jogador de futebol, por exemplo, desestimulam estas crianças a estudarem. Relata o caso da sua irmã, de pele branca, que muitas vezes é privilegiada no tratamento em estabelecimentos comerciais.

         BULGARELLI – O racismo é um círculo vicioso. Hoje, por exemplo, a mobilização da sociedade no tocante à acessibilidade para deficientes, mediante leis e campanhas publicitárias, é um grande exemplo de mudança, que pode ser aplicado à questão racial. A questão do racismo é estrutural. Nós temos que trabalhar em duas frentes. Principalmente no tocante ao fomento de políticas empresariais.

         MARIANA PARRA – Há dificuldades no âmbito empresarial, por conta de uma cultura já enraizada. No entanto, há necessidade de implementação de sistemas de verificação da situação da empresas na ponta. Assim, devem ser criados mecanismos de ouvidoria, censos internos, para prevenção de casos de racismo no âmbito interno e, inclusive, promover a inserção de negros nos quadros das empresas.

 

         ALICE – Militante do movimento negro. A questão racial no Brasil foi carregada durante longos anos pelo movimento negro, mais especificamente pelas mulheres. Cita o exemplo da Fundação Casa, onde cerca de 70% dos internos é afro-descendente. Não podemos ignorar este grupo de pessoas internas em instituições como a Fundação Casa. A questão é: como incluir tais pessoas, já estigmatizadas, nas empresas?

 

         BÓRIS – Militante da Educafro. O racismo está em toda parte, é estrutural. Deve haver o fomento de políticas públicas e privadas para acabar com tal estrutura. No tocante à desconstrução de estereótipos, é preciso uma ação maciça voltada às ações de publicidade e marketing praticadas pelas empresas, verdadeiros reprodutores de estereótipos. Assim, é preciso desconstruir tais estereótipos construídos e mantidos pelas práticas publicitárias, bem como na ação das mídias televisivas.

        

         BULGARELLI – O instituto ETHOS possui publicações, indicadores, dados, e ferramentas para orientação das empresas para valorização da diversidade racial no Brasil. Não podemos restringir o debate de ações afirmativas apenas às cotas raciais. É necessário, também, investir no combate ao racismo estrutural existente no Brasil. É preciso, no âmbito das empresas, diversificar as formas de recrutamento e seleção. Afirmou que a postura das empresas deve ser modificada. É preciso uma ação firme neste momento, para que as empresas adotem programas de igualdade racial, como uma questão de estratégia e de sobrevivência, inclusive.

 

FINALIZAÇÃO – MARIANA PARRA -  Agradecimentos.

Após os agradecimentos, afirmou que o Ethos possui grupos de trabalho nas empresas para implementação de programas de direitos humanos e diversidade racial, e que é necessário intensificar as ações do Instituto nesta seara.

 

REFLEXÕES SUSCITADAS PELO SEMINÁRIO

 

Para encetarmos uma reflexão – deveras perfunctória, diga-se - acerca de tudo quanto fora debatido neste importante seminário desenvolvido pelo Instituto Ethos, recorreremos à clássica obra “Sociedade: Uma Introdução à Sociologia”, do sociólogo americano Ely Chinoy, bem como à obra “Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais”, organizada por Maria Aparecida Silva Bento, diretora executiva do CEERT, palestrante deste seminário produzido pelo Instituto Ethos, obra que conta com diversos e renomados autores, das quais extrairemos alguns conceitos e reflexões. Certamente, há importantes obras nacionais que precisaríamos ter consultado para levarmos a cabo esta reflexão. No entanto, o objetivo deste relatório prescinde de maior rigor metodológico, pelo que nos escusamos da nossa contumácia. Não obstante, indicamos alguns importantes antropólogos brasileiros, cuja leitura é de crucial importância para a melhor compreensão da questão racial no Brasil. São eles: Kabengelé Munanga, Lilia Moritz Schwarcs, Vera Cristina de Souza (a quem dedicamos este trabalho), dentre outros.  

O processo de estratificação social adquiriu contornos ímpares na sociedade brasileira, cujo processo histórico de formação produziu a mestiçagem de sua população. Este processo de mestiçagem, doravante, serviu como instrumento de consecução do ideal de branqueamento da população e eliminação do homem negro da sociedade, desiderato empreendido pelo governo brasileiro até meados da década de 1950, com inspiração nas teorias racistas do século XVIII e XIX, mormente as desenvolvidas pelo Conde Arthur de Gobineau e pelo médico sanitarista brasileiro, o qual ironicamente era negro, Raimundo Nina Rodrigues.

O processo de divisão da sociedade brasileira em classes sociais, e a conseqüente diferenciação de papeis e status sociais, bem como os níveis de acesso ao poder, assumiram no Brasil, a despeito da existência do “mito da democracia racial”, erroneamente atribuído a Gilberto Freire, nítidos contornos raciais. Aliás, a respeito do sobredito mito, este se difundiu inclusive fora dos limites territoriais brasileiros, como fica patente na obra de Ely Chinoy, que acreditava sinceramente na irrelevância do aspecto racial como determinante da mobilidade social na sociedade brasileira.

O sistema de estratificação social existente no Brasil, bem como sua divisão de classes sociais, não possui um mero aspecto determinístico econômico. A atribuição de valor social a um homem perpassa por outros valores que não estão adstritos tão-só à riqueza e ocupação por ele sustentada, mas também, e principalmente, perpassa pela questão da ascendência e da raça do indivíduo.

No Brasil, o racismo difere substancialmente dos praticados nos EUA e África do Sul, de caráter segregacionanista nestes últimos, como apontado pelo antropólogo Kabengelé Munanga. Aqui, a graduação da tonalidade da tez do indivíduo é determinante na diferenciação do status e papel sociais por ele representado na sociedade. Assim, quanto maior for a aproximação da tonalidade da tez ao gradiente escuro, maior é a discriminação e inferioridade da posição social ocupada pelo indivíduo.

Em sociedades industriais avançadas como a brasileira e americana a diferenciação de status e papeis sociais é determinada principalmente pela ocupação profissional dos indivíduos, uma vez que esta determina o montante da renda que estes podem obter. No entanto, há uma desigualdade institucionalizada no tocante à atribuição de prestígio e recompensas à força de trabalho e os negros ocupam posições subalternas na divisão de trabalho, principalmente na sociedade brasileira. E é na família que se opera a unidade essencial da estratificação social.

“O status dos indivíduos, portanto, pode ser atribuído ou conseguido, de acordo com critérios relativamente fixos, sobre os quais os indivíduos não têm controle – ascendência, riqueza herdada ou filiação étnica – ou com qualidades ou atributos que podem ser alcançados por ação direta – ou pela sorte. No entanto, o próprio status atribuído exerce vigorosa pressão sobre o indivíduo para que este adquira as maneiras e habilidades apropriadas a fim de permanecer no nível social em que nasceu.”.[1]       

Fica patente, portanto, a pressão existente na sociedade brasileira para manutenção das condições sociais dos negros. Tal pressão fica nítida, como bem assinalado no seminário, por conta da reprodução de estereótipos nas campanhas publicitárias e programas televisivos brasileiros, que insistem dolosamente em manter os negros em posições subalternas, bem como os retratam como aqueles que ascendem socialmente pelos seus atributos físicos ou artísticos, como é o caso do futebol, olvidando-se de quão ínfimo é o número dos que galgam altas posições na sociedade brasileira contando unicamente com tais atributos ou com a “sorte”.

Daí a importância de analisarmos o acesso à educação, como instrumento de mobilidade social na sociedade brasileira, conforme também assinalado no seminário. E neste aspecto, mercê da péssima qualidade do ensino público brasileiro, os negros, destinatários par excellence desta modalidade de ensino, são mantidos nas classes inferiores da sociedade brasileira. Nesta esteira, as ações afirmativas para promoção do acesso desta população ao ensino superior são de suma importância. No entanto, devem adquirir a nosso ver um papel meramente transitório e emergencial, posto que é urgente uma revolução educacional no ensino público brasileiro, com vista ao incremento de qualidade desde os níveis iniciais da educação.

Como salientado no seminário, há no Brasil hoje um fenômeno de ascensão da população negra à classe média e às classes mais altas. Apesar de acharmos bastante controverso o critério utilizado para classificação dos integrantes da classe média – renda situada entre R$ 290,00 e R$ 1.000,00 per capita – entendemos que tal ascensão denota um avanço em relação à história recente. Foi apontada, ainda, a tímida ascensão dos negros a cargos de direção e chefia. No entanto, como bem apontado no seminário tais mudanças são extremamente tímidas e não deixam de revelar a desigualdade ainda existente no Brasil.

O que têm ocorrido no Brasil é uma reivindicação de status para e pela população negra. Tal reivindicação vem sendo protagonizada pelas diversas entidades do movimento negro com o apoio de significativos atores da sociedade, como o Instituto Ethos, entidade que não tem como função precípua o engajamento na questão racial, mas que sentiu a necessidade premente de protagonizar uma iniciativa de conscientização das empresas para a questão racial no Brasil, como uma questão moral e estratégica.

Como acentuado pelos palestrantes americanos, nos EUA houve um incentivo estatal, inicialmente, para que as empresas assumissem a questão racial. Estas viram na iniciativa uma oportunidade estratégica de incremento nos seus lucros, sendo que hoje há duas posições antagônicas na sociedade americana para o enfrentamento do problema racial, que encerram dois argumentos: o utilitarista e o de justiça social.  O primeiro protagonizada, grosso modo, pelos brancos e o segundo pelos negros.

Quer nos parecer que o primeiro argumento vem eivado de um caráter discriminatório desde sua origem, porquanto só entende a adoção de ações afirmativas se estas trouxerem algum benefício (e quando dizemos benefício, estamos querendo dizer “lucro”) para os que as adotarem. E quem as poderia adotar geralmente são os proprietários dos fatores de produção, que são brancos. Ou seja, tal postura não passa de uma reprodução do preconceito e discriminação existentes na sociedade.

Por outro lado, o argumento de justiça social utilizado pela população negra apenas denota o caráter reivindicatório de status social por esta população. A toda reivindicação se contrapõe uma negação. Tal negação é notória na sociedade brasileira, como pôde ser observado no debate suscitado pela ação movida pelo partido dos Democratas no Supremo Tribunal Federal contra as cotas raciais implantadas pela Universidade de Brasília. Tal fato vem mostrar que a sociedade brasileira ainda está permeada por um racismo estrutural profundamente enraizado.

Outro aspecto da estratificação social que, na verdade não foi objeto de discussão direta neste seminário é o poder. A estratificação social se apóia em três dimensões: classe social (riqueza), ocupação e poder. O seminário promovido pelo Ethos fixou sua análise basicamente no campo educacional e no campo ocupacional e, indiretamente, no poder.

“Os papeis profissionais encerram amiúde autoridade e poder e a posse de bens possibilita o controle não somente das coisas, mas, de certo modo, de pessoas. O status proporciona – ou bloqueia – o acesso a oportunidades de riqueza e poder.”[2]

Assim, poderíamos analisar a posição que o homem negro ocupa na sociedade brasileira de acordo com aspectos econômicos (riqueza), políticos (poder) e de status social. Muito se falou no seminário acerca da ascensão da população negra à classe média (cujo critério de classificação é extremamente controverso a nosso ver). No entanto, tal ascensão não vem acompanhada de uma intensa consciência de classe entre os que compartilham da mesma posição social, tampouco de uma consciência étnica, por conta do próprio processo de miscigenação perpetrado na sociedade brasileira. Outro aspecto da análise da estratificação social brasileira, diz respeito ao status atribuído ou adquirido pelo homem negro, principalmente no tocante aos padrões de consumo, conforme foi salientado ao longo do seminário. Neste aspecto, as empresas voltam sua atenção para a população negra, com vista à conquista desta parcela importante do mercado que hoje assiste um gradual incremento em seu poder aquisitivo. No entanto, tais empresas não se atentam ao lugar subalterno que tais pessoas ocupam no próprio processo de produção.

Neste diapasão, poderíamos indagar acerca de que tipo de mudança social estamos a assistir na sociedade brasileira. Quando afirmamos que a população negra está ascendendo à classe média, mas empiricamente constatamos que as camadas mais pobres da população têm a tez escura, estamos diante de uma notória contradição. Resta indagarmo-nos acerca de quão profunda é a mudança social que estamos assistindo.

Como bem salientado pelo eminente Professor Dr. Sílvio Luís de Almeida, estamos vivendo uma época de crise econômica em que as contradições econômicas e sociais ficarão cada vez mais evidentes. Tal evidenciação pode se tornar fator de conflito no seio da sociedade brasileira. Já é fato conhecido o recrudescimento da xenofobia na Europa em tempos de crise. As populações nativas tendem sempre, em momentos de crise, a identificar no imigrante ou no grupo étnico minoritário, o bode expiatório para seus próprios fracassos. A Alemanha nazista nos deu o exemplo mais contundente.

Como já assinalava Max Weber:

“Quando são relativamente estáveis as bases de aquisição e distribuição de bens, a estratificação pelo status é favorecida. Toda repercussão tecnológica e toda transformação econômica ameaçam a estratificação pelo status e trazem para o primeiro plano a situação de classe. As épocas e os países em que a nua situação de classe tem significação predominantes são, normalmente, os períodos de transformações técnicas e econômicas. E todo retardamento das alterações das estratificações econômicas conduz, a seu devido tempo, ao crescimento de estruturas de status e ressuscita o papel importante do crédito social”.[3]

Assim, no caso brasileiro, quer nos parecer que as inovações tecnológicas e econômicas, aliadas à ascensão da população negra enquanto classe econômica, produzem novas reivindicações de status. É o que se está a assistir neste seminário. A população negra brasileira está protagonizando uma verdadeira reivindicação de crédito social, que tem assumido, na hierarquia de valores, grande importância, ao lado dos valores econômicos e políticos.

“De certo ponto de vista a classe, o status e o poder representam os principais interesses encontrados em qualquer sistema de estratificação. Os homens buscam o lucro econômico, aspiram à posição e à reputação social e procuram controlar os outros ou libertar-se do controle.”[4]

No Brasil e nos Estados Unidos da América, temos um sistema relativamente aberto de estratificação social, que permite certa margem de mobilidade social, com linhas divisórias de classes e status não definidas de forma rígida, com ideologia igualitária no plano meramente formal.

A mobilidade social que os negros norte-americanos obtiveram nas últimas décadas foram fruto das ações afirmativas praticadas pelo Estado e iniciativa privada. No caso brasileiro, há a premente necessidade de adoção de tais ações. No entanto, o Brasil enfrentará sérias dificuldades no tocante à distinção da população negra da não-negra. Justamente por conta da hierarquia de status, determinada pela graduação da tonalidade da tez dos indivíduos, entendemos que o critério para distribuição e destinação de tais ações, quer seja aquelas oficiais, empreendidas pelo Estado, ou aquelas realizadas por mera liberalidade das empresas, deve ter como parâmetro justamente a graduação da tez dos indivíduos na distribuição dos benefícios de tais ações.

O racismo brasileiro tem nítido caráter diferencialista, tendo como base o gradiente da pele do indivíduo, de forma que a desigualdade material historicamente produzida foi orientada no sentido de se atribuir os papeis e status sociais inferiores e subalternizados aos indivíduos de graduação mais escura da pele.

Doutra banda, a mestiçagem aqui ocorrida, instrumento de branqueamento da população - e não fruto de uma democracia racial -, impediu o desenvolvimento de uma forte identidade étnica na população negra, diferentemente do ocorrido nos EUA e África do Sul. No Brasil, onde o próprio censo demográfico não reúne no distintivo “negro” os pretos e os pardos, não há uma forte consciência de classe e, tampouco, um nítido sentimento de pertencimento étnico na população negra.

Destarte, uma reflexão se faz imperiosa: qual o percentual de indivíduos negros que serão beneficiados pelas ações afirmativas numa sociedade como a brasileira?

O que se tem reivindicado é uma melhor representação da população negra nos quadros diretivos das empresas e espaços de poder. É possível uma representação fidedigna de tal população em tais papeis e status sociais, inclusive levando-se em consideração as diferenças regionais? Se a resposta for afirmativa, tal modificação na estrutura da sociedade brasileira far-se-á sem qualquer conflito, de forma pacífica?

Como é cediço, a classe dita superior, constitui-se principalmente naqueles que controlam os grandes conglomerados industriais, estrangeiros em sua maioria, cuja posição não se funda mais na propriedade, mas sim “(...) no poder de manipular grandes acumulações de riquezas e também de adquirir parte dela (...) Esse grupo da classe superior, que sempre foi muito pequeno, não representa, provavelmente, mais de dois ou três por cento da força de trabalho.” (CHINOY, 1978, p. 274). Assim, considerando que os controladores de tais riquezas sequer residem no país, apesar de estenderem seus negócios ao território nacional, podemos considerar que, salvo raras exceções, a classe superior brasileira, sequer faz frente a tais magnatas. No entanto, são nítidos os contornos que diferenciam tais indivíduos na sociedade brasileira.

No tocante à classe média, as linhas delimitadoras não são tão nítidas. No entanto, tomando como base o rendimento, é possível entrever que os profissionais liberais e administradores possuem um rendimento maior do que operários e, dentre os operários, podemos distinguir entre os qualificados, os semiqualificados e os não qualificados, bem como os agricultores, criados e empregados em serviços. Assim, é extremamente difícil o estabelecimento de linhas divisórias dentre os pertencentes à classe média. Maiores obstáculos encontram-se em tal estabelecimento para a classe pobre

“(...) pois envolvem questões complexas de direitos civis e de status do negro, bem como questões de política econômica e previdência social. O pobre, numa sociedade aliás rica, não se enquadra facilmente em categorias convencionais de classe; seus problemas tanto são problemas de raça, idade, residência e estrutura familial, quanto de ocupação, rendimento e riqueza.”[5]

 A ocupação do indivíduo é determinante do seu status social, principalmente por conta dos rendimentos que proporciona ao seu detentor. O status social do indivíduo, por sua vez, determina o seu estilo de vida e as relações sociais que mantém com as pessoas com as quais se relaciona.

No tocante às ocupações, estas determinam uma série de outras variáveis como rendimento e riqueza, e, são determinadas pela quantidade e qualidade de instrução e habilidades que exigem, bem como determinam o nível de autoridade (poder) e responsabilidade que encerram. Assim, há uma íntima correlação entre classe e status sociais.

Na falta de padrões aristocráticos de imposição de valores a status, as sociedades brasileira e americana tendem a apoiar os valores sociais, com assento estritamente no aspecto pecuniário, ou seja, nos rendimentos. Neste sentido, a ascensão dos negros à classe média teria como único determinante o incremento nos rendimentos. No entanto, tal ascensão não implica em aceitação e reconhecimento do status social pelos grupos com os quais os recém ascendidos se relacionarão.

A ascensão da população negra à classe média brasileira pode determinar a longo prazo um maior acesso à educação, em vista do incremento no rendimento das famílias. Destarte, embora a sociedade brasileira tenha um forte fator familiar – e conseqüentemente racial -  determinante da mobilidade social dos indivíduos, a tendência que se vislumbra é o maior acesso dos negros à educação de qualidade.

A educação é o fator primordial de mobilidade social na sociedade brasileira. No entanto, como salientado no seminário, a instrução de qualidade não é garantia para um negro brasileiro de que este ocupará um alto cargo numa empresa. Tal contradição se deve justamente ao racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira, ficando patente nos depoimentos dos jovens Isis e Leandro, bem como na fala de Maria Aparecida Silva Bento a respeito de sua sobrinha.

Destarte, estamos diante de um mito na sociedade brasileira, o da mobilidade social, uma vez que uma parcela significativa da população é impedida de explorar suas próprias capacidades. Tal é o cenário hoje existente no Brasil.

(...) tendem a persistir as atitudes e sentimentos em relação à cor da pele, ao tipo de cabelo, à forma dos lábios e outras características biológicas – a “visibilidade”, (...), tem conseqüências sociais. Da mesma forma, depois de estabelecido, o padrão de relações entre grupos, raramente se modifica de pronto, sobretudo quando exerce alguma função, ou proporciona algum lucro, para o grupo dominante.”[6]

Assim, indagamos: quem são os indivíduos que desempenham as funções de limpeza nas empresas brasileiras, ou de serviços domésticos nas residências? A resposta: mulheres e negras, em sua maioria.

A estrutura das relações étnicas brasileiras têm lastro histórico principalmente nas “vantagens que a maioria procura auferir da presença da minoria e da perpetuação de seu status subordinado, as oportunidades ou barreiras gerais para a mobilidade ascendente inerentes ao cenário da economia, da organização social e da ideologia de uma sociedade maior.”[7]

No caso brasileiro, podemos identificar tal minoria nos “pretos”, integrantes da raça negra, ao lado dos “pardos”, mas que tendem a sofrer uma discriminação muito maior do que estes últimos em função do gradiente de sua tez.

Quando há uma reivindicação de status, em que um grupo étnico/racial compete com outros grupos/classes sociais por poder ou riqueza, é provável que surja o conflito. Como asseverado acima, tal conflito fica evidente quando se tenta discutir a questão das cotas raciais na sociedade brasileira, o que suscita grande divisão na população, bem como discursos inflamados.

“Impedindo aos demais o acesso ao poder político, relegando-os a ocupações servis, ou estigmatizando-lhes a cor ou a cultura, um grupo dominante monopoliza os valores políticos, econômicos ou de status, ou todos eles ao mesmo tempo. Criam-se repetidamente padrões de discriminação e subordinação no intuito de obter tais valores e, depois de criado um sistema de relações de superioridade e inferioridade entre grupos étnicos, qualquer mudança ameaça habitualmente as prerrogativas estabelecidas.”.[8]

Tal afirmação fica nítida na sociedade brasileira quando observamos o sistema de seleção de discentes da Universidade de São Paulo ou, de forma ainda mais gritante, no acesso à docência da referida Instituição, em que há um número ínfimo de professores negros, o que pode ser explicado pela baixa instrução desta população, consolidada pela vedação de seu acesso ao ensino superior de qualidade, especialmente no estado de São Paulo. Confira-se, a propósito, o número de alunos negros nos cursos de Direito e Medicina da USP.

Embora no Brasil não se tenha positivado no ordenamento jurídico um sistema de discriminação, como o conjunto complexo de leis e costumes de “Jim Crow” que se implantou nos Estados Unidos, o país sustenta um padrão claro de discriminação da população negra, especialmente daqueles com pele mais escura. No entanto, o racismo velado, “à brasileira”, não permitiu a formação de uma identidade étnico-racial, como ocorreu nos EUA. É o que levou o antropólogo congolês, radicado no Brasil, professor da USP, Dr. Kabengelé Munanga, a chamar o racismo brasileiro de “um crime perfeito”. 

O racismo brasileiro, neste sentido, é muito mais sustentado em bases econômicas do que em padrões de preconceito. Embora não podemos nos olvidar da importância deste último nas origens da discriminação racial aqui existente, suas origens são extremamente complexas.

No entanto, abstraindo-se a análise dos outros fatores determinantes, concentrar-nos-emos no elemento preconceito como um dos fatores de impedimento de ascensão dos negros aos cargos de direção nas empresas, ou mesmo, de sua eliminação sumária em processos seletivos.

“A natureza do preconceito é difícil de definir-se; (...) ter preconceito é “pensar mal dos outros sem justificativa suficiente”. Tais atitudes firmam-se, tipicamente, em crenças inexatas ou infundadas sobre o caráter daqueles contra os quais se dirigem. O preconceito, portanto, encerra elementos afetivos e cognitivos (...) Por serem ideias emocionalmente carregadas resistem amiúde à mudança; as pessoas que têm preconceitos são, muitas vezes, imunes até à prova mais concludente da falsidade dos supostos fatos em que se escoram suas atitudes.”[9]

Os preconceitos existentes na sociedade brasileira, fatores contribuintes, embora não determinantes da discriminação racial, estão de tal maneira arraigados na tradição cultural brasileira, assumindo caráter sutil, que não permite sequer que quem os pratica se dê conta disso. E no enraizamento de tais padrões discriminatórios na estrutura social, os meios de comunicação de massa, nisto incluindo as empresas em suas campanhas publicitárias, desempenham um papel primordial, principalmente no que atine à reprodução de estereótipos, como bem salientado por Maria Aparecida Silva Bento no início do seminário.

Em qualquer sociedade, as concepções estereotipadas de membros de outros grupos são acaso inevitáveis (...) Nesse sentido, os estereótipos – “retratos guardados em nossas cabeças” generalizados – têm considerável importância. Mas os estereótipos repousam muitas vezes em generalizações não justificadas e repetidamente se aplicam, sem discriminação, a casos individuais (...) Os preconceitos, portanto, e os estereótipos que ajudam a sustentá-los são produtos culturais, adquiridos pelos que partilham a cultura.”[10]

Neste sentido, os preconceitos e estereótipos difundidos na sociedade brasileira principalmente pelos meios de comunicação de massa, cumprem uma função política e econômica: manter o status quo e a manutenção do negro em ocupações inferiores e subalternizadas, quando não identificar um “bode expiatório” para as mazelas do país, como a pobreza e a violência urbana, numa flagrante inversão do nexo causal entre a estrutura e os fenômenos que se manifestam na arena social.

Neste sentido, a ilação do eminente jurista Hédio Silva Júnior:

Levando-se em conta que a consciência individual apresenta-se enlaçada à consciência social (Weber, 1969) ou, os efeitos do condicionamento social a que todo ser humano está submetido (Arendt, 1993), é possível inferir que a exposição dos indivíduos, desde tenra idade, à reiterada veiculação de representações estereotipadas do negro (seja por meio da linguagem, da educação, dos meios de comunicação) pode dificultar uma apreensão racional dos dados da realidade (...)[11]

Assim, embora o preconceito e a discriminação racial brasileiros sejam velados por uma cortina de sanções morais e legais que impedem a externalização de qualquer atitude discriminatória, o racismo brasileiro é sutil e apenas reflete a estratificação social, determinada por fatores principalmente econômicos e políticos, com recorte racial.

 

 

CONCLUSÃO

De todo o exposto, extrai-se que a louvável iniciativa do Instituto Ethos significa um passo ousado e necessário no sentido de se avançar na pauta da questão racial no Brasil. A realização de seminários como este tem um caráter fundamental para o rompimento deste ciclo velado de discriminação no qual a sociedade brasileira está imersa, através da conscientização das principais lideranças empresariais brasileiras para a adoção voluntária, ou seja, sem a necessidade de intervenção governamental, de práticas de valorização da diversidade racial e de ações afirmativas como é o caso das cotas raciais.

Inobstante, a despeito da iniciativa do Instituto Ethos e de algumas instituições brasileiras no sentido de promover a valorização da diversidade racial, o que é extremamente louvável, à medida que não há qualquer instrumento de coação para conduzi-los a tais práticas, entendemos que, a exemplo do campo educacional com a recente promulgação da lei que obriga as universidades federais a reservarem cotas raciais e sociais em seus vestibulares, bem como da lei que obriga a reserva de vagas para deficientes físicos no mercado de trabalho, o Estado brasileiro deve num primeiro momento impor a todas as empresas, de maneira coercitiva, a adoção de reserva de cotas para negros em seus quadros funcionais de direção.
Aquelas empresas que já praticam tais ações afirmativas nada sofrerão; ao contrário das refratárias a tais ações.

Tal medida, que deve ter caráter transitório - frise-se -, faz-se necessária por conta do racismo estrutural que permeia nossa sociedade. Dificilmente medidas de exortação das empresas, por si sós, terão o condão de empreender uma mudança significativa nas políticas organizacionais destas. 

Entendemos que tais medidas aliadas a uma política pública, de longo prazo, de valorização da educação pública, devem levar em conta as desigualdades regionais, de forma a considerar as idiossincrasias dos estados da Federação que possuem população majoritariamente negra, como é o caso da Bahia.

Por fim, entendemos que tal reivindicação é legítima, contrapondo-se à dívida histórica que o Estado brasileiro tem com a população negra, que o construiu dando sua própria vida, sua liberdade, seu sangue e seu suor, e que, doravante, fora relegada a uma posição inferior neste mesmo Estado.

A superação da desigualdade racial na sociedade brasileira é pressuposto e condição de seu próprio desenvolvimento em tempos de crise, como o que estamos observando, mas também tempos que encerram a esperança de nos tornarmos uma nação desenvolvida, justa e solidária.

Parabenizamos, portanto, o Instituto Ethos pela audácia e contribuição para a sociedade brasileira, com a realização deste seminário que, certamente, produzirá muitos frutos com a sensibilização de grandes lideranças da iniciativa privada brasileira.  

 

                            BIBLIOGRAFIA

 

  • ABRAMOWICZ, et all. Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. Maria Aparecida Silva Bento, organizadora. São Paulo: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT, 2011.
  • CHINOY, Ely. Sociedade: Uma Introdução à Sociologia. 6ª ed. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo, Ed. Cultrix: 1978.

 



[1]  CHINOY, Sociedade: Uma Introdução à Sociologia, p. 250

[2] CHINOY, Op. cit., p. 255

[3]  WEBER Apud CHINOY, Op. cit., p. 256.

[4] CHINOY, Op. cit., p. 257.

[5] Idem, p. 277

[6] Ibidem, p. 304

[7] Ibidem, p. 307.

[8] Ibidem, p. 309.

[9] Ibidem, p. 331

[10] Ibidem, p. 333

[11] SILVA Jr., Hédio, Anotações Conceituais e Jurídicas sobre Educação Infantil, Diversidade e Igualdade Racial, in Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. p. 69.