DESMASCARANDO A POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Imbuído do espírito iluminista e libertário que animou Cesare Beccaria, célebre autor de Dos Delitos e Das Penas, assombro-me com a atualidade de seus escritos e sua aplicação à sociedade contemporânea. Percebemos o direito penal brasileiro impregnado de muitos dos princípios ventilados por Beccaria no século XVIII, mais precisamente em 1764, na Itália. Os princípios por ele disseminados, frutos da mais alta filosofia francesa (que nada mais fez do que revelar o óbvio a uma sociedade cega às verdades mais notórias), embora presentes na base do direito brasileiro, não conseguem produzir, nos dias de hoje, na opinião pública brasileira, os mesmos efeitos que produziram na opinião pública francesa, há 247 anos atrás, quando presenteada com a tradução de Morellet de “Dei Delliti e Delle Pene” para o francês.
Com efeito, em pleno século XXI, diariamente a população brasileira é bombardeada por notícias que disseminam a sensação de onipresença da violência nos espaços urbanos e por discursos protagonizados por apresentadores de programas televisivos que pregam a violação de direitos e garantias fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988. Tais emissoras, que usufruem um direito concedido pelo Estado brasileiro a fim de proporcionar à população meios para acompanhar a vida política do país e para fiscalização da ação dos agentes públicos, bem como para aprimoramento cultural da população, utilizam este mesmo direito para garantir o lucro de grupos econômicos, e até mesmo religiosos, que controlam tais emissoras, através de programas tendenciosos que ofendem e insultam a inteligência do povo brasileiro.
Na verdade, o discurso promovido por aquelas emissoras de televisão que pregam o endurecimento da legislação penal de nosso país, chegando ao extremo de clamar pela pena de morte (aliás, condenada por Beccaria) é plenamente satisfeito pelos Poderes Executivos dos Estados. Bem sabemos que a repressão do Estado contra criminosos não vem sendo promovida pelo legislador, através do endurecimento das penas. Ao contrário, as leis que temos em nosso país são extremamente avançadas. A repressão do Estado parte, não do Legislativo, mas sim do Poder Executivo. As ações dos Estados federados demonstram um claro recrudescimento da repressão estatal no âmbito da segurança pública. A letalidade da ação policial nos Estados membros da União é notória, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro.
Diante disso, chegamos à conclusão de que não é necessária, em absoluto, a criação de uma emenda constitucional que garanta a instituição da pena de morte no direito penal brasileiro, eis que esta já está, há muito, implantada no Estado brasileiro. Estamos assistindo a um verdadeiro genocídio institucionalizado, perpetrado pelos Poderes Executivos, através de suas Polícias Militares, no âmbito dos Estados membros da Federação. Referido genocídio é aplaudido de pé por algumas poderosas emissoras da mídia televisiva brasileira, nas mãos de grupos econômicos e religiosos, as quais deveriam denunciar tal situação à nação brasileira.
A ação das polícias militares dos Estados, mas sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, é extremamente letal. Isso sem mencionar a situação calamitosa e desumana em que se encontram os presos provisórios e aqueles já condenados nos sistema carcerário, através do qual, condenados e inocentes (inocentes porque presos provisórios possuem presunção de inocência enquanto não transitada em julgado uma sentença condenatória) sofrem duplo castigo pelo crime praticado: o primeiro representado pela pena em si; já o segundo representado pelas péssimas condições em que é aprisionado.
Alie-se a isto a péssima educação pública proporcionada à população brasileira, e teremos formado o quadro social que o Brasil vive nestes dias. A escalada da violência, alimentada pelo recrudescimento da repressão estatal, através das ações no âmbito do Poder Executivo, é apenas reflexo do nível cultural em que o país se encontra.
Não pretendendo estender-me neste aspecto da realidade brasileira (ao menos não neste artigo), ouso perguntar: quem são as vítimas do despotismo que estamos presenciando, perpetrado explicitamente pelos Estados membros da Federação, no âmbito de suas políticas de segurança pública? Quem são as vítimas do recrudescimento da repressão dos Estados?
O menino Juan, de apenas 11 anos, morto no Estado do Rio de Janeiro pela Polícia Militar, e tantos outros como ele, é a resposta para esta indagação.
Finalizo com duas citações do célebre autor Cesare Beccaria, citado no início deste artigo:
“Finalmente, a maneira mais segura, porém ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos propensos à prática do mal, é aperfeiçoar a educação.” (Beccaria, 1764, tradução de Guimarães, 2000, p. 106)
É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei. (Beccaria, 1764, tradução de Guimarães, 2000, p. 107).
Assim, rogamos aos homens sábios deste país, como o Excelentíssimo Senador da República Dr. Cristóvão Buarque, que não se desanimem e continuem empenhando sua brava luta pela educação pública no Brasil, a fim de cessar o genocídio que está sendo empreendido pelos Estados membros da União, com a conivência desta e os aplausos das elites, detentoras das emissoras de televisão, como forma de enfrentamento do problema da segurança pública, ao invés de se atacar o foco do problema que é o déficit educacional e cultural que aqui existe.
São Paulo, 25 de julho de 2011.
EMMANUEL DE OLIVEIRA D’ABRUZZO
BIBLIOGRAFIA
BECCARIA, Cesare. Dei Delitti e Delle Pene, 3ª ed.. 1764. Tradução: Torrieri Guimarães, 11ª reimpressão. São Paulo. Editora Martin Claret, 2011. 128 p.